Há doze anos a projetar sonhos

Natural da Venezuela, mas com o seu coração na região mais a sul de Portugal, Lucibel Gago Viegas abriu o seu atelier, em 2006, no Patacão em Faro, cidade que conhece desde pequena, apesar de residir em S. Brás de Alportel.
Licenciada em Arquitetura do Planeamento Urbano e Territorial pela Faculdade de Arquitetura de Lisboa e com uma Pós-Graduação em Direito do Urbanismo e da Construção pelo Instituto Jurídico-Político da Universidade de Lisboa, Lucibel tem hoje, com 40 anos, uma vasta experiência profissional que foi evoluindo exponencialmente ao longo dos anos, desde 1997, quando começou a formar-se em Lisboa.
Quando terminou os estudos, estagiou no antigo IPPAR (Instituto Português do Património Arquitetónico), em Faro. Mais tarde, estagiou com o arquiteto Silvério Mendes, bastante conhecido, no Algarve, durante, aproximadamente, dois anos, em Tavira.
Contrariamente à maioria dos seus colegas, Lucibel não tem nem arquitetos, nem engenheiros, nem construtores na família. “Comecei do zero, caí aqui de para-quedas”, explica.
Certo dia, em 2006, o seu marido, Jorge Brito, hoje membro integrante da equipa, questionou-a quanto à hipótese de abrir o seu próprio atelier. E assim foi, de uma sugestão passou-se à ação e surgiu o gabinete Lucibel Gago Arquiteta. Inicialmente a trabalhar sozinha, Lucibel Gago confessa que, a criação de um espaço próprio, “foi o grande salto”. Com o início de uma nova fase profissional, procurou aproveitar o que o mercado tinha para oferecer. “Comecei a resolver problemas, dúvidas e questões burocráticas às pessoas”, refere a arquiteta que, inicialmente focou a sua atividade na área das legalizações.
O aço leve na arquitetura
O aço leve é, ainda hoje, desconhecido pela grande maioria das pessoas, que estão mais acostumadas à construção tradicional e, por isso, a materiais como o betão armado e alvenarias de tijolo.
“Em 2010 comecei a propor aos clientes soluções em aço leve, em ampliações de primeiros andares, em edificações mais antigas, ou até mesmo zonas históricas, quando permitido pelas autarquias. O primeiro foi em Faro, porque tínhamos uma edificação muito antiga e o cliente queria fazer o primeiro andar, mas não queria destruir o rés do chão, e a melhor solução foi o aço leve”, explica.
Projetos desafiantes
A arquiteta não esconde o seu gosto pela realização projetual de uma construção nova, ao invés da reabilitação, que lhe retira mais liberdade criativa, dadas as condicionantes que enfrenta, nomeadamente a forma do lote, os índices de construção, o gosto do cliente e a legislação.“É tudo muito bonito quando se tem condições para o fazer”, confessa. Porém, não rejeita qualquer desafio que lhe é proposto.
Um dos projetos que mais a marca pelo desafio que enfrentou foi um edifício de família, construído nos anos oitenta. Além do cunho contemporâneo solicitado pelo cliente, a arquiteta teve ainda de projetar acessibilidades para o seu irmão com mobilidade condicionada. “Se calhar hoje faria tudo diferente, mas naquela altura, em 2011, consegui dar o meu cunho pessoal”, afirma.
“Sou a arquiteta de todos”
Lucibel nunca teve que se preocupar em procurar os clientes, os clientes sempre foram ter consigo, devido, em grande parte, a serem maioritariamente de nacionalidade portuguesa e clientes finais, aproximadamente, 90%, o que facilita o “passa-a-palavra”. “A minha primeira cliente ainda hoje é minha cliente. Os clientes normalmente voltam, ou mandam o amigo, ou mandam alguém”, afirma. “O cliente não tem que se preocupar com nada, ele só tem que pagar e assinar os requerimentos”, acrescenta.
Porém, também conta com clientes estrangeiros, nomeadamente alemães. Os ingleses, franceses, holandeses e belgas, ainda que pertençam a esta categoria, não são significativos para a faturação.
“Por acaso, nunca me abri muito com o cliente francês, não domino a língua. Entendo, mas não sei falar”, confessa a arquiteta. Por sua vez, o cliente alemão tem-se demonstrado uma boa surpresa e Lucibel não esconde a vontade de continuar a manter estes laços com os mesmos.
O problema camarário
Lucibel revela que o que aprendeu na universidade em nada se assemelha ao procedimento de licenciamento que se encara na prática. “É muito complicado lidar com as câmaras municipais, cada uma delas tem a sua particularidade”, começa por dizer.
Um dos maiores obstáculos que tem enfrentado ao longo do seu trabalho tem sido, efetivamente, os assuntos burocráticos que implicam as câmaras municipais. O tempo que despende com a realização do desenho e do projeto é de, aproximadamente, 15 dias e gasta uma terça parte desse tempo a tratar dos processos com as câmaras.“É raro o processo em que eles não arranjam qualquer coisinha com que implicar. É horrível, não entendo, sou uma gotinha no oceano deste mercado”, admite.
“Delirio com o urbanismo”
Lucibel é uma apaixonada por urbanismo e planeamento das cidades e mostra-se insatisfeita com a situação com que se depara, um pouco, por todo o país. “A grande maioria dos concelhos algarvios e suas cidades encontram-se mal organizadas, não foram alvo de planeamento, cresceram quase ao ‘acaso’, resultado da especulação imobiliária e turística”.
A arquiteta tenta projetar e resolver a cidade para o futuro e para o presente, e admite sentir tristeza “com o mau urbanismo, e a falta ordenamento do território. Isto são questões políticas das quais as pessoas comuns não têm noção das implicações, quando vejo as atrocidades que se fazem com certas intervenções desconexas do resto da envolvente, sinto-me triste. O problema das grandes cidades é a falta de planeamento, porque não se apostou. Se não houver uma visão estratégica para o futuro, as intervenções no território são pontuais e não se relacionam”, acrescenta.
Futuro
Apesar do seu gosto pela área da construção, Lucibel admite ser inviável aglomerá-la aos seus serviços. “Eu sou mulher, tenho dois filhos pequenos e a construção pressupõe estar na obra às sete horas da manhã e ser a última pessoa a sair, temos que estar sempre presentes. Ou dedico-me ao projeto ou à construção, é muito complicado fazer duas coisas bem-feitas ao mesmo tempo, tendo em conta a minha estrutura”, afirma.
Desta forma, tenciona continuar com o licenciamento e criar, ainda mais, parcerias com outras empresas e, por isso, continuar o trabalho que tem feito ao longo dos anos.
Mensagem ao jovem arquiteto
Quando lhe foi sugerido que desse um conselho a um jovem recém-licenciado em Arquitetura, Lucibel começa por alertar “é assim, o mercado não é fácil”, mas sugere “se for jovem e tiver oportunidade de correr o mundo, este era o maior conselho que lhe dava. A viajar, a conhecer o mundo e a ver o que se faz por aí em arquitetura, para crescer e aprender”. Finalmente, confessa “se tivesse tido coragem, se calhar teria percorrido mais o mundo”.