“Incutir o espírito da economia circular”
Qual o verdadeiro peso do plástico na preservação do meio ambiente? Qual deve ser o nosso papel enquanto consumidores? Num período em que o tema ganha cada vez mais importância devido ao aquecimento global e à crescente poluição no planeta, o Empresas+® esteve à conversa com engenheiro Amaro Reis, diretor geral da Sacos 88, uma das empresas com maior sustentabilidade em Portugal. O empresário explicou ainda os principais desafios a enfrentar nos próximos anos e quais as soluções a implementar para um futuro mais sustentável e ecológico.
“O nosso problema é, fundamentalmente, comportamental. Temos de olhar para o plástico e perceber que a nossa vida ocidental está assente nele e a nossa qualidade de vida melhorou com ele. Este é um produto 100% reciclável e o problema está apenas nos seus últimos segundos de vida. Se lhe queremos dar uma nova vida, e isto serve para o plástico, assim como para o vidro ou o papel – apenas temos de o colocar no sítio certo. O problema é a quantidade de desinformação que temos recebido nos últimos tempos e que vai tornar o processo mais difícil para todos. É fulcral que tenhamos acesso às informações corretas, para que saibamos quais as melhores soluções a aplicar”, salienta Amaro Reis, preocupado com a forma como muitas mensagens têm sido difundidas e que, com isso, provocam “os histerismos do presente”. Amaro Reis está à frente da Sacos 88 desde 1998, empresa que foi conquistando o seu espaço no setor da produção e comercialização de embalagens plásticas. A Sacos 88 emprega hoje cerca de 80 funcionários e vai dispondo, ano após ano, das mais recentes tecnologias nas diversas fases de fabrico.
Com uma indústria em plena transformação devido às novas legislações no que diz respeito à distribuição e fabrico de soluções em plástico, a Sacos 88 soube-se reinventar e, acima de tudo, foi capaz de aprimorar as qualidades de um material que, por vezes, poderá sofrer rótulos e contornos algo precipitados. Diversos estudos e estatísticas informam-nos que a principal fonte de poluição dos oceanos provém de dez grandes rios situados na Ásia e em África. Outro estudo recente demonstra também que um saco de algodão orgânico tem de ser utilizado 149 vezes de forma a compensar o uso de um saco de plástico, o que aumenta as apreensões de Amaro Reis relativamente ao futuro do planeta: “Nós temos de dar o exemplo e incutir o espírito da economia circular. É importante que saibamos promover a reciclagem e a incorporação dos plásticos em novas embalagens. A solução passa sempre por aqui. Se trocarmos o plástico por outro produto qualquer, essa nova solução vai ter um impacto negativo superior ao anterior. Não podemos fazer alterações tão profundas sem qualquer nexo ou projeto, correndo o risco de depois, no final, fazermos as contas e percebermos que a solução foi pior que o problema. Por isso digo que a questão é, sobretudo, comportamental”.
Que soluções existem?
“Temos de ter a noção de que o plástico é um produto com algum impacto como qualquer outro, não tenhamos ilusões. A questão é que todo o material tem que seguir o seu caminho. Assim, o que devemos fazer é apostar na modernização da recolha seletiva, na capacidade de triar resíduos. Nós, fabricantes, estamos sedentos de matéria-prima reciclada e a recolha seletiva em Portugal tem que dar um salto quantitativo e qualitativo na era da ECONOMIA CIRCULAR”, defende Amaro Reis que alerta: “Quando ouvimos algo como «agora já não uso talheres de plástico, vou usar de madeira», eu questiono se a ideia é trocar um produto 100% reciclável e com uma pegada carbono bastante reduzida por outro qualquer. Alguém tem de se preocupar em saber de onde vem a alternativa. Quanto custou transformá-la? Quanto custou o transporte? Estas são questões que têm de ser aprofundadas sob o perigo de a alternativa ter uma pegada de carbono muito superior a do plástico e muitas vezes sem reciclabilidade possível”. O empresário defende também que o plástico é um material com uma potencialidade enorme e explica: “Eu posso usar um saco de plástico nas compras, e depois usá-lo como saco do lixo. Usei-o para duas funções diferentes. Só o facto de o saco ser usado pelo menos duas vezes, já contribui com uma pegada de carbono inferior. Além disso, hoje em dia, em Portugal, quase todos os sacos do lixo são fabricados com material reciclável, o que faz com que mais nenhum produto consiga ter este trajeto tão circular”.
Amaro Reis chama ainda a atenção para alguns perigos das alternativas alegadamente amigas do meio ambiente e destaca as desvantagens da sua utilização: “Os descartáveis também surgiram para ajudar na higiene e saúde pública, para evitar contaminações cruzadas. Assim, temos de ter cuidado com a massificação de utilização de sacos de ráfia tipo “alcofa”, porque umas vezes podemos usar o saco para transportar alimentos, amanhã lenha, depois de amanhã detergentes e ao final de um ano nem sabemos o que passou por ali, onde estão reunidas as condições para a proliferação de bactérias. Não podemos penalizar só porque sim o plástico mais descartável, quando ele permite que tenhamos uma melhor higiene e saúde alimentar. É por estas razões que é importante que nos sentemos todos, ambientalistas, Governo, empresários e sociedade civil de modo a fomentar a economia circular e a política dos três R’s: reduzir, reutilizar e reciclar. Não quero dizer mal dos outros materiais, mas quero que as pessoas tenham uma noção do que é mais sustentável ou não, para poderem depois decidir em conformidade, baseando-se em estudos de análise de ciclo de vida completo que estão a surgir nesse sentido”.
Procurando alternativas no mercado e investindo em máquinas que procurem essa sustentabilidade ambiental, o diretor-geral questiona o que está a ser feito na atualidade pelos diversos governos e pelas empresas para que esse caminho fosse mais fácil para todos. Amaro Reis deixa ainda um apelo ao consenso entre todas as partes: “Qual é o produto que se recicla de forma mais simples? Qual é o que consome menos energia no seu processo? Estas são apenas algumas questões que devem ser tidas em conta. Não nos podemos deixar levar por palpites. Além disso, ainda bem que o plástico boia. O fundo do mar está cheio de resíduos pesados que ninguém vê. A humanidade já conseguiu ir à Lua e até Marte, mas ainda não fomos capazes de recolher os resíduos nos mares de uma forma eficiente. Parece que interessa mais chocar do que resolver”.
Falar a uma só voz
Foi com uma atenção redobrada pelo meio ambiente que Amaro Reis traçou o trajeto da empresa na última década, com uma produção consolidada. Atualmente, o empresário aposta num futuro cada vez mais verde e, é por isso, que a Sacos 88 apostou na construção de uma unidade de reciclagem própria, projeto que já está em curso e que conta com equipamentos de última geração. Esta unidade vai permitir que a unidade fabril recicle todo o desperdício, ao mesmo tempo que permitirá a criação de projetos de economia circular com clientes da Sacos 88 que queiram os seus desperdícios reciclados e novos produtos com incorporação dos mesmos. “Quando a legislação foi alterada, a indústria teve muito pouco tempo para se adaptar. Mas foram as dificuldades que nos fizeram procurar alternativas, e que nos fizeram adaptar a um novo tipo de mercado, com novas soluções. Hoje em dia, no âmbito da responsabilidade ambiental da empresa fomentamos, cada vez mais, a produção de produtos em material reciclado. O nosso objetivo passa por conseguirmos que 50% da nossa produção seja realizada só com materiais reciclados. Este seria um importante marco para nós. Além disso queremos conseguir uma certificação mais alargada na utilização dos produtos. Mais do que mostrar ao cidadão comum as vantagens do plástico, o nosso objetivo é provarmos que queremos fazer parte da solução. Temos que falar todos a uma só voz”; conclui o empresário.