Novas caras e nova vida para Ansião

Foi à boleia da delegação das novas competências aos municípios em Portugal continental, e com um primeiro balanço do seu mandato, que António Domingues recebeu o Empresas+® na Câmara Municipal de Ansião, e mostrou as barreiras que foram ultrapassadas para que, no último ano e meio, o município voltasse a recuperar a sua identidade. Esse processo já está concluído? Não, não está, “mas para lá caminha”, assegura o autarca.
Eleito em 2017 pelo Partido Socialista para assumir a presidência da câmara de Ansião, substituindo um executivo liderado até então pelos sociais-democratas, António Domingues vê neste mandato a oportunidade de revitalizar Ansião, de aproximar os habitantes do concelho, e, acima de tudo, de tornar Ansião um destino para todos os portugueses. Sendo a desertificação um dos maiores problemas a combater na zona interior do país, e com um reconhecido défice de desenvolvimento nos últimos anos na região, o executivo socialista explica as obras realizadas até agora, o proveito que espera obter destas e aborda um dos temas que tem estado na ordem do dia nos municípios portugueses: a descentralização.
“[Descentralização] Estamos num processo importante para o país”
O processo de transferência de competências do Estado para as autarquias locais tomou início no presente ano, mas há muito que o tema faz correr tinta nos jornais. Com opiniões diferenciadas por todas as regiões, a ideia do Governo é fazer o reforço da autonomia do poder local de forma gradual até 2021, dando aos municípios o poder de escolha. Assim, quem aceitasse a transferência até 31 de janeiro, esta estaria concluída até final do ano; quem não aceitasse, a isso seria obrigado em 2021. Até agora mais de 180 municípios já aceitaram a transferência de, pelo menos, um dos diplomas, mas a falta de informação e a difusão das verbas remetidas tem sido ainda o maior motivo de interrogação dos autarcas.
O concelho de Ansião, que pertence ao Distrito de Leiria e que se insere na região da Beira Litoral do distrito, optou, até ao momento, por não rejeitar a maioria das transferências delegadas para a autarquia, “até porque algumas delas já eram, de alguma forma, quase uma responsabilidade nossa”, mas deixou ainda alguns diplomas em fase de averiguação “até haver maior informação”, como é o caso das praias, dos jogos de fortuna ou azar, de estacionamento público e a da proteção e saúde do animal. Admitindo que a questão das praias “é um problema que não traz grandes encargos”, porque não existem efetivamente praias no concelho, António Domingues deixa algumas reservas para a interpretação dos locais, pois o “diploma não esclarece muito bem o que é o tratamento das lagoas ou das dolinas. Assim, até maior esclarecimento da parte do nosso gabinete jurídico, entendemos que, nesta fase, não havia necessidade de a aceitar”, explica o autarca.
Relativamente à exploração de jogos de fortuna ou azar, o antigo vereador explica que a competência “carece da elaboração de um regulamento de isenções, para diferenciar um simples sorteio ou rifa de associações humanitárias, e de pessoal que a esse departamento esteja afeto”. O autarca advoga que o município está a sair de um processo de constrangimento financeiro, pelo que ainda está a avaliar “quais os setores em que o município deve começar a repor o pessoal”, sendo que reconhece que áreas como a educação e a saúde estão em claro deficit. Por sua vez, a questão do estacionamento público deve-se também à falta de recursos que os processos jurídicos implicam. “Quando não existem pagamentos de contraordenações, há um processo legal que exige acompanhamento e, como tal, exige recursos humanos para o qual ainda não estamos preparados. Acredito que outros municípios também não estejam”, conclui o autarca.
Já sobre a competência da proteção e saúde do animal, a última das quatro rejeitadas até ao momento, António Domingues explica que há uma “vertente relacionada com o controlo dos produtos alimentares”, o que atrasou a sua aceitação até ao momento. O autarca alertou ainda que Ansião conta, neste momento, só com um veterinário, e que é preciso olhar para o tema com outra seriedade. “Temos que olhar para estes espaços, tanto no que concerne à melhoria das suas condições, mas também em termos do número de colaboradores. Os municípios vão ter que olhar para isto de outra forma”, alerta António Domingues.
Quanto aos decretos-leis de transferência de competências do Estado central para os municípios e entidades intermunicipais, nas áreas da saúde e da educação, o autarca considera que estas carecem de uma reflexão muito mais sensível, pois serão as “que têm mais peso na responsabilidade do município nas mais diversas vertentes”, seja nos recursos humanos, seja na componente financeira. “Terá que existir uma reorganização diferente em termos de pessoal; uma coisa é processar salários para 50 pessoas, e outra para 200”.
O autarca identifica o setor da educação como um setor que diz muito aos habitantes e ao município, pelo que “a questão deve ser analisada com toda a ponderação possível”. Como tal, a transferência dos assistentes operacionais e dos assistentes técnicos da tutela do Ministério da Educação para o município deixa ainda algumas reservas, uma vez que António Domingues acredita que “o diploma falhou. Deviam ter promulgado esse poder aos municípios na sua totalidade, o que não aconteceu e faz com que o poder da câmara neste processo seja limitado. Se o município fica responsável pelo pagamento dos recursos humanos, deveria haver aqui uma gestão mais próxima desses recursos”, explica. Relativamente aos investimentos que serão necessários para a reabilitação de alguns dos edifícios escolares, o autarca acredita na boa-fé do Governo. “Se houver algum problema num acordo para uma intervenção maior, acreditamos que o Governo não irá deixar os municípios descalços. Se assim não for, também teremos armas para responder”. Já na questão da saúde, Ansião conta, neste momento, com um centro de saúde com mais de 30 anos e, como tal, quando a competência for delegada, o município admite a possibilidade de, no futuro, se candidatar a verbas dos quadros comunitários de modo a poder financiar uma intervenção maior.
Com cerca de 40% dos municípios em Portugal a aceitarem todas as competências delegadas pelo Governo central até ao momento, António Domingues não vê grandes razões para alarme pelo facto do município ter rejeitado algumas, até porque “haverá depois, com certeza, da parte dos municípios e da Associação Nacional dos Municípios, um reporte ao próprio Governo no sentido de melhorar algumas questões associadas aos diplomas”, assegura o autarca. Ainda assim, no cômputo geral, António Domingues admite que o processo da descentralização já poderia ter sido iniciado há mais tempo. “Estamos num processo importante para o país. Perdemos muitos anos e perdemos muito do que seria a nossa capacidade de coesão territorial, porque não escolhemos o caminho da descentralização há muitos anos atrás”, explica o presidente. Ainda assim, o ano escolhido para a delegação pode ser importante, pois como “não se trata de um ano eleitoral, pode ser aproveitado para que os municípios se sentem e discutam os problemas de forma sensata”, reitera.
Com base na reflexão que os vários concelhos do país terão que operar, de modo a estabelecerem um novo sistema de automatização e de funcionamento entre si, o autarca foi convidado a falar sobre a regionalização, tema que tem voltado à agenda política nos últimos anos. Mais do que problemas no seu conceito, António Domingues encontra interrogações na sua execução. “Sabemos que há muitos defensores da regionalização no país, mas o problema tem a ver com o senso comum e com o descrédito que a população tem da política. Se a regionalização for implementada de uma forma séria e executada com o objetivo de melhorar os territórios e incentivar a coesão entre eles, poderia funcionar. Hoje existem países de primeira linha na Europa, onde a regionalização funciona”, assevera o autarca, que vê, no entanto, uma classe intermédia a faltar na ligação dos concelhos. “Tem havido uma solidariedade muito grande da Comunidade Intermunicipal de Leiria, mas isso não resolve o problema de não haver políticas mais focalizadas para os territórios. Mas, para haver uma regionalização ou uma estrutura intermédia, ela tem que ser democraticamente validada pelas pessoas e o problema é que, hoje, as comissões que temos não são eleitas”, destaca António Domingues.
“Triplicámos as verbas para as juntas de freguesia”
Com 55 anos e com grande conhecimento da realidade de Ansião, António Domingues foi vereador do concelho entre 2009 e 2013 e vê o ano e meio do seu primeiro mandato como um período onde já entraram em curso operações importantes para revitalizar a região. Seja na vertente educativa, desportiva ou cultural, o autarca tem apostado em todas as áreas para combater a desertificação e, acima de tudo, aproximar cada vez mais os habitantes do município. “Desde que o nosso executivo tomou posse, quase que triplicámos o valor de transferências para as Juntas de Freguesia. Em 2017 eram cerca de 90 mil euros, hoje já falamos de 151 mil”, reitera o autarca que, de certa forma, já se tinha antecipado ao processo das transferências. “Nós não esperámos por uma lei que nos guiasse nesse sentido.
Aumentámos as verbas porque entendemos que as Juntas têm que ter recursos para dar respostas às pessoas”, justifica.
O autarca reconhece que com o aumento das competências aumentam também as responsabilidades das Juntas de Freguesia. “Ao transferirmos mais verbas, mais responsabilidade delegámos. Por outro lado, eliminámos a questão de reclamações de pequenas obras às quais o município não dava resposta. O saldo de gerência, quando cheguei, era positivo, portanto estas verbas há muito que poderiam ter sido delegadas, apenas não havia essa sensibilidade no passado”, reitera. Além deste processo, o município retificou o regulamento de apoio ao associativismo, que tem forte presença na região, entrou com um projeto de execução para reestruturar o Parque Empresarial do Camporês, que será “importante para definir a continuidade desta estratégia de fixação de pessoas”.
António Domingues pretende ainda criar um centro interpretativo do rio Nabão, um circuito pedestre, que “retrate a nossa paisagem, a nossa natureza”, e conta ainda com outros objetivos em mente, como tornar Ansião a capital do mosaico em Portugal. “Estamos a trabalhar nesse sentido”. Para além do trabalho a desenvolver em prol de Leiria como Capital da Cultura em 2027, projeto abrangente para todo o território, e que trará uma vertente cultural muito forte para a região. Temos que perceber que Ansião está muito bem situado geograficamente, tem uma acessibilidade relevante, e os projetos que temos em mão irão forçosamente dar frutos. Estamos perfeitamente confiantes e tranquilos que muito do que será o desenvolvimento de Ansião irá ser realizado. Mais do que ideias, ou projetos, estamos focados na identidade das pessoas e, por consequência, na identidade do concelho”, explica o autarca socialista, que vê o desporto e a cultura como fatores fulcrais para este crescimento regional, mas também individual. “Uma sociedade que pratique desporto, que seja chamada a ter boa qualidade de vida, é uma sociedade que é certamente mais feliz. Diz-se que a felicidade muitas vezes é uma questão utópica, mas pode ser construída com pequenas coisas. E nós queremos construir esse crescimento” explica António Domingues, que termina dizendo que “Ansião mudou o seu executivo, que durante 40 anos foi governado pela oposição. Quer passar-se nas redes sociais a ideia de que nós não estamos a atingir os objetivos a que nos propusemos, mas esta não é mais do que uma tentativa de sobrevivência e de mau serviço público. Quem irá fazer a avaliação do nosso trabalho são as pessoas. E nós acreditamos que esse trabalho irá ser bem desenvolvido, como já está a ser no presente”.