“Processo feito a régua e esquadro, esqueceu assimetrias”

“Este processo foi feito a régua e esquadro, esquecendo as assimetrias que existem no país. Existem especificidades de diversos territórios que deveriam ter sido levadas em conta”, assegura Vasco Estrela, presidente da Câmara Municipal de Mação, em entrevista ao Empresas+®, quando questionado sobre o processo de transferência de competências do Governo para os municípios.
“Reconheço que o Governo não teria capacidade logística para realizar 309 reuniões, uma com cada município, contudo, deveria ter existido outro tipo de articulação e capacidade de diálogo. A verdade é que este processo foi feito a régua e esquadro, esquecendo as assimetrias que existem no país. Existem especificidades de diversos territórios que deveriam ter sido levadas em conta. Sei que o secretário de Estado das Autarquias Locais, Carlos Miguel, tentou fazer esta articulação, porém, quando isso aconteceu, muitas das decisões mais importantes já estavam tomadas”, afirma Vasco Estrela, presidente da Câmara Municipal de Mação.
A Autarquia da Sub-Região do Médio Tejo recusou a transferência de todas as competências já legisladas do Poder Central para os municípios. Apesar disso, o edil mostra-se, por princípio, favorável à transferência ou delegação de competências. Contudo, “com um processo realizado nestes moldes não podemos falar em transferência de competências quando, na verdade, estas permanecem centralizadas como antes. Segundo este modelo, as autarquias pouco mais terão do que trabalho administrativo, no sentido do processamento de salários e da possibilidade de realização de pequenas obras. Espero que este seja, efetivamente, o primeiro passo para uma efetiva descentralização das competências, onde o Poder Local possa ter uma voz mais efetiva na tomada de decisão”.
Os motivos para a recusa
Vasco Estrela explica que o Executivo recusou as competências porque várias entidades locais não querem que a Autarquia avance, quando anteriormente já tiveram essa oportunidade e também recusaram, sobretudo no setor da educação. “Além disso, não reconhecemos, à partida, ganhos significativos para a população resultantes deste processo”. O autarca dá um exemplo: “Não podemos alterar um simples horário de uma extensão de saúde, uma decisão simples, mas que, verdadeiramente, teria impacto na vida das pessoas. Infelizmente, nenhuma das competências nos garante isso”. O edil apresenta uma terceira razão: “Não podemos deixar de reconhecer que estas competências trariam uma despesa suplementar para o Município, uma vez que o Estado nunca nos atribuiria a justa compensação monetária, além de existirem discrepâncias significativas que detetámos no que diz respeito aos custos com os edifícios, nomeadamente no setor da saúde”.
Analisando as competências a transferir individualmente, Vasco Estrela assevera que o Município possui praias fluviais sendo que, neste momento, a sua gestão é já realizada pela Autarquia, o que faz com que esta seja uma competência que poderá facilmente ser aceite depois de alguma negociação. O mesmo acontece com os jogos, uma vez que que se trata do licenciamento de rifas, “o que não causa qualquer transtorno ou mudança na vida das pessoas”. O mesmo acontece com os bombeiros, “uma vez que sempre apoiámos as corporações locais” e com o atendimento ao cidadão, uma vez que este é um serviço que o Município também já presta na atualidade. Mação também não possui habitação social, com exceção de uns apartamentos sob a gestão do IHRU, “pelo que a transferência dessa competência não faz qualquer sentido”. O mesmo acontece com o estacionamento, uma vez que Mação não dispõe de estacionamento pago no concelho e com a cultura, já que a Autarquia não possui equipamentos dedicados à cultura que sejam estatais. Já no que concerne à justiça, Vasco Estrela considera que esta competência é intermunicipal daí que deva ser assumida a esse nível.
As competências mais exigentes
A competência que tutela o bem-estar animal preocupa o autarca. “Do que sei, a maioria das autarquias recusou-a. Apesar de termos veterinário municipal e um canil e gatil intermunicipal a funcionar, está previsto que, com esta competência, os municípios fiquem responsáveis pelo licenciamento de pequenas explorações agrícolas, assim como pela vistoria de algum tipo de estabelecimentos e controlo alimentar, o que nos obrigaria ao reforço do nosso quadro de pessoal, se quiséssemos prestar um serviço de qualidade às populações. Falamos de uma área muito sensível ligada à alimentação e à conservação dos alimentos e segurança alimentar, matéria que considero de suma importância e com a qual se deve ter o máximo cuidado. Considero que, neste caso específico, houve alguma precipitação por parte dos Serviços Centrais”.
Segundo Vasco Estrela, no património, o Estado pretende que a Autarquia faça a gestão de uma antiga escola e das antigas casas de função dos magistrados existentes no concelho. O edil assegura que, para que isso aconteça, “é necessário que sejam devidamente analisadas as condições em que estes imóveis se encontram ou o Estado poderá estar a livrar-se de um problema que seremos depois obrigados a resolver”.
Para o autarca, a questão das vias de comunicação também é crítica, “uma vez que o Governo não contempla, nesta transferência, a recuperação efetiva da rede viária, transferindo apenas competências menores, o que faz com esta não seja uma efetiva transferência de competências, pelo menos daquelas que realmente mexem com a vida dos munícipes”.
Perante todas as dúvidas e renitências, Vasco Estrela prefere aguardar uma tomada final de decisão. “Se em janeiro de 2021 formos obrigados, independentemente da nossa vontade, a aceitar todas as competências, acho que é melhor esperarmos até lá. A população não ganha nada com o facto de aceitarmos já. Além disso, consideremos que muitos funcionários da saúde e da educação não veem com bons olhos esta alteração, por isso preferimos não impor a nossa presença e evitá-la o máximo de tempo que consigamos. Já prestamos apoios na educação e na saúde e esta transferência de competências não traria qualquer alteração a esta realidade”.
O autarca advoga ainda que o país tem que saber que os concelhos do Interior já realizam muitas destas competências de forma informal e que não precisam destes formalismos para que estas continuem a acontecer, “ainda que reconheçamos que, em alguns casos, estamos no limite da legalidade daquela que pode ser a nossa intervenção. Apesar disso, também sabemos que somos os únicos que estão presentes e cuja atuação poderá significar alguma diferença positiva na vida das populações. Se estivéssemos sempre à espera das decisões do Governo Central muitos coisas nunca aconteceriam”, conclui.