“Se nada for feito, será muito pior que a tragédia de 2017”

No seu primeiro mandato como presidente da Câmara de Arganil, Luís Paulo Costa deixa o alerta para a necessidade da profissionalização de toda a gestão da área florestal e da prevenção dos incêndios. O autarca promete ainda máxima responsabilidade no processo de transferência de competências do Governo para os municípios.
Com um registo de 47,71% dos votos obtidos nas eleições autárquicas de 2017, Arganil é hoje presidida por Luís Paulo Costa, um dos autarcas mais jovens do distrito de Coimbra. O autarca tem tentado, ao longo do último ano meio, modernizar uma vila que se destaca pelo verde das suas paisagens e pelas suas praias fluviais. Em entrevista ao Empresas+®, o social-democrata explica os projetos levados a cabo com o objetivo de valorizar a região, promete responsabilidade acrescida no processo de transferência de competências do Governo para os municípios e, não menos importante, deixa as críticas à atuação do Estado na gestão da floresta, uma vez que este continua a ignorar as dificuldades e os desafios suplementares que os municípios do Interior do país sentem e enfrentam.
No papel de presidente da Câmara Municipal de Arganil pela primeira vez, Luís Paulo Costa teve que lidar com um momento que nunca esquecerá e que marcou, inevitavelmente, o início do seu mandato: os incêndios de 15 e 16 de outubro que afetaram a região. Com poucas semanas de presidência, o autarca viu o concelho perder mais de 145 casas para o fogo, além de mais de duas centenas de hectares completamente destruídos pelos incêndios, numa semana trágica para o país. Essa semana contabilizou 45 mortos e cerca de 70 feridos em todo o território nacional.
Emparcelamento florestal: o caminho a seguir
Com um investimento superior a 25 mil euros na reconstrução de muitos locais afetados pelo fogo, Luís Paulo Costa não hesita em retratar a tragédia como uma “infeliz coincidência de tudo o que podia correr mal”, explicando o conjunto de fatores simultâneos que resultaram na “pior tragédia registada até hoje na região”. Nesse ponto em particular, o autarca regista a forma positiva como tem corrido o processo de reconstrução, com a grande maioria das habitações já entregues aos seus proprietários, resultado do forte empenho e pleno entendimento da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR) e dos técnicos da Câmara. Não obstante, Luís Paulo Costa reitera que está preocupado com o futuro e com aquilo que poderá acontecer. “Estamos situados num vasto território florestal, cuja caraterística principal é o minifúndio. É com grande frequência que temos proprietários florestais com parcelas de 3000m2 ou menos. Quem percebe de gestão florestal, sabe que gerir estas áreas é humanamente possível e este é o problema de base”, adianta.
“Outro problema de base que enfrentamos é que o incêndio de 2017 ocorreu numa época do ano altamente potencializada com a regeneração natural de algumas espécies, uma delas o eucalipto. Assim, com a projeção do vento, a semente foi levada para quilómetros de distância”, alerta Luís Costa, que assegura que eucaliptos estão a surgir abruptamente, em massa, em regiões onde estes não existiam. “Se nada for feito, será muito pior que a tragédia de 2017. Se tivermos a infelicidade de enfrentar um incêndio, a região será um autêntico barril de pólvora”.
Por forma a dar resposta a estas inquietações, Luís Paulo Costa esperava um outro tipo de resposta por parte do Governo e das demais entidades competentes. O autarca indica o caminho. “Esperava, por exemplo, que o Estado aproveitasse este processo de transferência de competências para, de forma imperativa, caminhar no sentido do emparcelamento florestal, esse deve ser o caminho a seguir. O cenário que hoje temos é impensável para uma podermos ter o mínimo de estabilidade assegurada”, assegura o autarca.
Transferência de competências: uma desilusão
Decretada pelo Governo e legislada no final do ano passado, a transferência de competências da Administração Central para os municípios tem sido largamente discutida pelas várias autarquias do país, e as dúvidas têm sido muitas, assim como a controvérsia. Ainda que, em 2021, os municípios sejam obrigados, impreterivelmente, a aceitar a transferência de todas as competências, neste momento, Luís Paulo Costa assegura que a Câmara Municipal de Arganil não aceitou ainda nenhuma das nove já legisladas. O autarca assume que as suas expetativas saíram defraudadas, salientando que as limitações naturais que um concelho como Arganil tem vão trazer desafios suplementares na gestão de muitas das matérias apresentadas.
O edil defende que, do ponto de vista geral, as competências já estavam descentralizadas. “A questão é se as assumimos agora ou apenas em 2021. Há competências que na prática não acrescentam grandes encargos para o Município, mas há outras onde ainda não estão reunidas as condições para que sejamos capazes de fazer a gestão das mesmas. Seja como for, a verdade é que este processo ficou muito aquém daquilo do que era expectado, principalmente em áreas como a saúde e a educação. Sou mesmo obrigado a criticar a minimização do papel dos municípios nas várias funções que nos serão entregues. Estamos quase a ser transformados nos contínuos do setor educativo. Somos aqueles que vão fazer a limpeza do lixo. Acho isto muito pouco”, completa o autarca.
Com a competência da educação a trazer preocupações de maior dimensão ao Executivo comandando por Luís Paulo Costa, não só pela falta de verbas financeiras, mas também pela gestão de pessoal que irá praticamente dobrar em termos de número, o autarca refere outras competências onde o recrutamento de colaboradores vai certamente implicar outro tipo de gestão por parte do Município. “A competência do estacionamento, por exemplo, implica também um vasto policiamento das vias municipais. O que está na lei vai muito além do que sugere inicialmente. É quase necessário termos um quadro de polícia municipal a funcionar na prática. É uma legislação que se aplica de forma natural em cidades como Porto ou Lisboa, mas a massa crítica nas nossas regiões é completamente diferente e o Estado devia ter noção disso”, reitera o social-democrata.
Questionado acerca da competência dos bombeiros, Luís Paulo Costa assume que esta é questão também ela crítica, pois existe um financiamento muito variável da parte do Estado. Além disso, o autarca salienta a emergência da profissionalização necessária para a modernização do setor. “Estamos a falar de uma atividade diária, de transporte de doentes, de emergências pontuais, pelo que considero que quando as corporações são bem geridas, como é o caso de Arganil, elas devem ser autossustentáveis. Considero um péssimo sinal quando se alimenta, em centenas de milhares de euros, as mesmas corporações. Estamos a alimentar a ineficiência. No nosso concelho, as corporações de bombeiros são bem geridas e não carecem de nenhum apoio por parte do Município”, explica o autarca que completa: “O que é importante ressalvar é que temos, neste momento, uma mudança de paradigma: o voluntariado. Este conceito acabou. E se vamos passar para a profissionalização, se o caminho for esse, a questão tem que ser tratada com uma abrangência e com uma lógica territorial que não se pode cingir a um quintão de Arganil, ou do vizinho do lado. Tem que existir uma abordagem integrada”.
Numa fase de regeneração da vila depois da tragédia de 2017, Arganil é o exemplo de uma boa gestão e de recuperação no país e Luís Costa espera, ainda neste mandato, recolher os frutos desse trabalho. Com o relançamento de infraestruturas como o Parque Municipal de Campismo e com a estabilização de inúmeras praias fluviais espalhadas pela região, o social-democrata promete continuar com um trabalho honesto que honre os principais compromissos eleitorais assumidos. Ainda assim, o autarca espera conseguir uma ligação mais próxima com os setores do Estado, tudo para que uma nova tragédia possa ser evitada.