Tomar: uma smart human city

A cumprir o segundo mandato como presidente da Câmara Municipal de Tomar, Anabela Freitas, em entrevista ao Empresas+®, faz o balanço do trabalho levado a cabo e revela que o objetivo a médio prazo é tornar Tomar uma smart human city.
A autarca destaca ainda o desafio que o Executivo socialista enfrenta agora com a transferência de competências do Governo Central para os municípios.
Em jeito de balanço, Anabela Freitas reitera que, o seu primeiro mandato enquanto presidente da Câmara Municipal de Tomar serviu, essencialmente, “para arrumarmos a casa, planearmos e fazermos projetos”. Segundo a autarca, este segundo mandato já está a ser de concretização e execução de projetos. “Contudo, neste momento, estamos concentrados naquelas que são as grandes festividades deste Concelho, a Festa dos Tabuleiros. Assim, as obras que estão a decorrer têm que parar enquanto as festas decorrerem e as que ainda não começaram só vão avançar quando a festa terminar, o que causa algum embaraço, uma vez que se esta paragem não acontecesse as obras terminariam mais cedo. Contudo, também não nos passa pela cabeça continuar com as obras com as Festas a decorrer”.
Anabela Freitas assegura que, logo que possível, a Autarquia vai apostar em três novos projetos “que marcarão o concelho”. Segundo a edil, o Município pretende empresas e investimento para o concelho. Nesse sentido, já foi alterado o Regulamento do Parque Empresarial. A autarca refere ainda que está prevista uma aposta clara no turismo, tanto na temática templária, como no turismo judaico. O terceiro projeto e, “talvez o mais importante”, está ligado a uma aposta nas novas tecnologias, retenção e captação de novas empresas, no entanto, “debatemo-nos com o problema da falta de recursos humanos qualificados, o que fez com que tenhamos estabelecido parcerias com o Instituto Politécnico de Tomar e com as empresas sediadas no concelho. Não existem quadros qualificados em Portugal para muitas das necessidades que as empresas têm, o que faz com que estejamos a auxiliá-las na contratação de quadros seniores em países, como o Brasil. Podemos dizer que, para além de estarmos a apostar na captação de empresas e de investimento também queremos captar pessoas”, assegura Anabela Freitas.
De acordo com a autarca, é inegável que um dos entraves à captação de investimento para o Interior, “ainda que estejamos na fronteira entre Litoral e Interior”, são os instrumentos de gestão do território. “Não podemos ter um PDM que demora 20 anos a ser alterado e um Plano de Pormenor cuja alteração demora cinco ou seis anos. Quando estes instrumentos foram criados estava em causa a construção nova, enquanto que agora está em causa a reabilitação e a devolução dos espaços aos cidadãos. É por isso que estamos apostados em criar uma smart human city. O conhecimento e as novas tecnologias têm que existir, mas as pessoas têm que perceber para que servem estes equipamentos e têm que lhes dar utilidade”.
Aposta na tecnologia
“Neste âmbito vamos apostar num novo conceito para a eficiência energética no concelho e vamos ser pioneiros”, assevera a edil, que explica que vai ser mudada toda a iluminação no concelho para tecnologia LED. “A inovação está no facto de termos definido que a empresa instaladora tinha que deter uma parceria com uma empresa na área das novas tecnologias para que fossem instaladas mais-valias, nomeadamente instalar rede Long Range Low Power [LoRa], que vai permitir controlar a diminuição da luz, vai monitorizar a qualidade do ar, a qualidade da água do rio Nabão, realizar a monitorização do risco de cheia e a monitorização dos roubos de água nas bocas de incêndio. Este projeto vai funcionar como uma autoestrada, em cima da qual poderemos colocar depois outros “carros” para prestar novos serviços aos cidadãos de todo o concelho. Vamos ainda avançar para os sistemas de rega inteligente, partilha de bicicletas, app específica para transportes urbanos, e a recolha de resíduos sólidos urbanos, até porque pode não fazer sentido continuar a recolher contentores de lixo que não estão cheios”, advoga Anabela Freitas.
A instalação desta rede especializada na denominada Internet das Coisas (IoT) está enquadrada no projeto de cidade inteligente definido pela autarquia ribatejana. A vertente energética do projeto tem um custo estimado de 8,9 milhões de euros, sendo que este valor inclui três milhões de euros que serão aplicados nos dispositivos de iluminação. O projeto está ainda em análise no Tribunal de Contas, mas a edil mantém a convicção de poder arrancar com a instalação da rede LoRa em setembro. “Esta é uma infraestrutura que vai permitir que passemos a atuar em antecipação às ocorrências. A nossa meta final é criar um centro de controlo que permita atuar com todas as funcionalidades previstas para estes novos serviços e outros que venhamos a criar», acrescenta.
A transferência de competências
Quando à transferência de competências do Governo Central para os municípios, cuja fase final de implementação está prevista para 2021, Anabela Freitas afirma que os autarcas, sempre reivindicaram a autonomia do Poder Local, “algo que está consagrado. Sou uma defensora da regionalização e espero que este processo de descentralização de competências seja um meio caminho para a regionalização. Efetivamente, não podemos reivindicar que queremos mais competências, já que conseguimos atuar de forma muito mais próxima dos cidadãos, e depois não nos envolvermos naquele que é o processo de discussão”.
Apesar de defensora do processo, a autarca considera que este foi realizado de forma demasiado rápida. “Apesar da Associação Nacional de Municípios ter estado envolvida e ter negociado um conjunto de alterações às propostas apresentadas pelo Governo, existem muitas diferenças entre os 308 municípios do País. Não se pode descentralizar para a Câmara de Lisboa da mesma forma que se descentraliza para um concelho com três mil habitantes. O quadro de pessoal, a realidade e a pressão que sentimos por parte dos cidadãos não são comparáveis. Acredito que muitos municípios dificilmente vão conseguir implementar a totalidade das competências, ainda que esse facto não interesse ao cidadão. A este interessa saber que determinada competência é da responsabilidade da Câmara, uma vez que será sobre esta que ele vai exercer pressão até que as suas questões sejam resolvidas”.
Segundo Anabela Freitas os recursos humanos existentes nas autarquias são outro problema. “Os municípios não dispõem de recursos humanos preparados para a 100% aquelas que são as competências que se pretendem transferir. No caso da Autarquia de Tomar, o nosso quadro de pessoal é envelhecido e restrito, até porque, durante muitos anos estiveram em vigor restrições no que concerne à contratação de novos quadros. As competências dos nossos trabalhadores são as necessárias para responder afirmativamente aos desafios que nos eram colocados há 20 anos. Este quadro de pessoal não é compatível com as novas competências que se pretende que passemos a assegurar. Neste momento devia-se fazer a análise e a discussão desta questão. Se estas problemáticas não forem resolvidas, o processo estará sempre fragilizado”, afirma a autarca.
A autarca lembra também que o processo de contratação para a Administração Local é extremamente moroso, o que não se coadunou com o facto de, a 1 de janeiro de 2019, as novas competências estarem nas autarquias. “Tivemos que proceder à sua recusa em Assembleia Municipal. Se assim não fosse, a 1 de janeiro teríamos que dar uma resposta efetiva a estes novos desafios”. A edil esclarece que, por exemplo, foi a falta de quadros que fez com que, em grande parte, a Autarquia tenha recusado a transferência da competência que está ligada à proteção e bem-estar animal. Neste momento, Tomar não conta com os serviços de um veterinário municipal, “isto porque a veterinária que tínhamos ao nosso serviço reformou-se. Estamos há mais de seis meses com um processo concursal aberto para a contratação de um novo quadro e o processo ainda não está concluído. Além disso, no diploma, a competência pressupõe muitas questões que estão para além do foro do veterinário. Perante este cenário como é que podíamos aceitar?”, questiona Anabela Freitas que completa: “Não faz sentido que o controlo alimentar fique a cargo das autarquias. É para isso que existe a ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica. Atualmente, a Autarquia já tem competências que foram anteriormente transferidas no âmbito da saúde animal. Para as realizar o veterinário municipal não consegue dar uma resposta efetiva e de qualidade a todo o concelho e ainda é expectável que, com o mesmo veterinário, assumamos mais? Ainda no ano passado realizámos obras de ampliação no canil municipal e este continua cheio. Os serviços mais urgentes vão sendo tratados por veterinários enviados pela DGAVE – Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, e por um veterinário em sistema de avença, contudo, esta não é uma solução viável a médio/longo prazo. Este terá que ser um custo suportado em grande parte pela Autarquia. Apesar da competência prever a existência de receitas provenientes de serviços prestados pelo veterinário, conhecemos a realidade do nosso concelho e sabemos que muitos dos nossos munícipes não têm condições para pagar estes serviços, pelo que parte dos custos do seu vencimento terão que ficar a nosso cargo”.
Além da competência que tutela a proteção e bem-estar animal o Executivo também decidiu recusar a competência referente ao estacionamento e a autarca explica porquê: “Temos o território coberto pela GNR e pela PSP. Além disso, dispomos apenas de dois fiscais no quadro de pessoal da Autarquia. Estes são os responsáveis por tudo o que é urbanismo, ocupação de espaço público e limpeza dos terrenos. Teriam agora que ficar também responsáveis pela cobrança dos estacionamentos? Não faz qualquer sentido sobrecarregar estas pessoas quando temos a GNR e a PSP a atuarem no território, até porque o diploma contempla todo o território e não apenas o perímetro urbano”.
A Autarquia recusou ainda, para 2019 e 2020, a transferência da competência da saúde. “Recebemos os indicadores da Secretaria de Estado e fomos visitar todas as extensões de saúde existentes no concelho, no intuito de percebermos em que situação é que estão. Solicitámos ainda ao Poder Central informações sobre os contratos existentes, no que concerne a despesas fixas. Por exemplo, o valor que vinha previsto para a manutenção das três viaturas existentes era de 53€/ano, valor insuficiente para o pagamento da inspeção que é necessário realizar a estes veículos, quanto mais todas as restantes despesas”, questiona Anabela Freitas.
Em relação à educação, a autarca revela que o Município já tem um contrato programa em funcionamento desde 2009, o que faz com a Câmara já tenha nos seus quadros cerca de 160 pessoas que laboram neste setor. Com a nova competência, a Autarquia passará a ser responsável por mais 60 pessoas. A edil confessa que o diploma lhe levantou muitas dúvidas, “sobretudo porque o tempo útil que tivemos para a sua análise antes do início do ano letivo não foi muito, o que fez com que tenhamos recusado a transferência. É nossa intenção aceitá-la para o ano letivo de 2020/2021. Até lá poderemos negociar algumas questões e realizar a devida preparação. Apesar disso, de ressalvar que um dos equipamentos escolares que será transferido necessita de obras de fundo, o que faz com que tenhamos que ter garantias de que essa verba existirá, antes de estarmos a assumir essa responsabilidade. Falamos de obras de conservação e não de simples obras de manutenção, daí que a competência tenha que vir forçosamente acompanhada pelo devido pacote financeiro que garanta a realização dessa necessária empreitada”.
Anabela Freitas é ainda crítica no que diz respeito à descentralização da competência que tutela a proteção civil. “Aceitámos as competências que foram atribuídas à Comunidade Intermunicipal, contudo, recusámos as competências que seriam transferidas para a Câmara Municipal. Temos bombeiros municipais e considero que o diploma está feito para os bombeiros voluntários, ainda que, de voluntários, só têm mesmo o nome. Da mesma forma que cada concelho não tem a sua polícia, com regras próprias, considero que deve acontecer o mesmo com os bombeiros e que esta competência deve ser tutelada nacionalmente”, conclui a autarca.