Vontade cumprida do Capitão de Abril
A vontade de Salgueiro Maia, Capitão de Abril e herói nacional, cumpriu-se! Desde o dia 1 de julho, Castelo de Vide, terra que o viu nascer, tem aberta ao público a Casa da Cidadania Salgueiro Maia, vontade que o capitão do Exército Português, que liderou a Revolução de 25 de Abril de 1974, deixou expressa em testamento e que foi concretizada no dia em que o militar completaria
77 anos de idade. A cerimónia de inauguração contou com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Para António Pita, presidente da Câmara Municipal de Castelo de Vide, mais do que uma merecida homenagem, esta obra pretende “promover os valores da Fraternidade, Liberdade e Democracia junto das novas gerações”.
No passado dia 1 de julho, no dia em que Salgueiro Maia, herói nacional, completaria 77 anos, Castelo Vide, terra onde nasceu o Capitão de Abril, inaugurou a Casa da Cidadania Salgueiro Maia, casa museu onde o seu espólio é celebrado e recordado. O desejo, que ficou expresso em testamento, materializou-se e teve um custo de 1,1 milhões de euros. De ressalvar que a museologia tem a autoria de Fernando António Baptista Pereira, historiador e presidente da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
Entre as peças que agora compõem este novo núcleo museológico encontra-se o famoso megafone com o qual, no dia 25 de Abril, no Largo do Carmo, em Lisboa, o Capitão de Abril intimou Marcelo Caetano a render-se e a entregar o poder às forças que lutavam pela democracia. O espólio contempla ainda o uniforme militar que Salgueiro Maia envergava no dia que assinala o fim da ditadura em Portugal, entre outros uniformes, armas, estandartes e insígnias, diplomas e louvores, documentos militares e fichas escolares que pertenceram a este verdadeiro herói nacional. Uma área com cartazes e fotografias e uma coleção de miniaturas de carros de combate são outras das valências da Casa da Cidadania Salgueiro Maia. Todo o património foi doado pelo militar à vila alentejana antes da sua morte, em 1992. O militar, que foi promovido a major em 1981 e, posteriormente, a tenente-coronel, pereceu vítima de doença oncológica.
António Pita, presidente da Câmara Municipal de Castelo de Vide, afirma que este foi um dia diferente, “muito emotivo e no qual se escreve uma página memorável desta notável vila e um capítulo final da biografia de um dos Capitães de Abril. Ninguém escolhe o sítio onde nasce e Salgueiro Maia escolheu ser sepultado nesta vila, em campa rasa, e decidiu honrar duplamente este concelho ao determinar esta terra de nascimento também como sua eterna morada. Nessa sua missiva o tenente-coronel expressou ainda outra vontade: a de que todo o seu acervo fosse entregue ao Município para a construção de um museu que pudesse, um dia, perpetuar o 25 de abril de 1974”. Assim, 32 anos decorridos, mais do que uma merecida homenagem, “estamos a cumprir este imperativo de consciência que nos tem perseguido nas últimas duas décadas”.
O autarca esclarece que esta obra pretende “promover a visibilidade de uma personalidade que representa a essência da Revolução do 25 de Abril de 1974, um herói nacional, através do espólio que doou à Autarquia. Salgueiro Maia deu a cara à revolução e transformou-se num símbolo de liberdade. Para além disso, esta Casa tem como objetivo divulgar os valores da Fraternidade, Liberdade e Democracia às novas gerações. Este museu engrandece a região e qualifica a oferta”.
António Pita considera ainda que, “é destes exemplos que necessitamos. Com este núcleo museológico queremos fazer uma apresentação biográfica do Salgueiro Maia, do homem, do militar, que mudou a história contemporânea portuguesa, mas, por outro lado, também fomentar a Cidadania, para a qual continuamos a contribuir todos os dias. É este o compromisso que temos com o museu que é um orgulho para todos os castelo-videnses. Para além disso, este novo espaço também contribuiu para a qualificação da oferta turística e cultural da região. Agora, quem vier para o nosso Alentejo tem mais um equipamento que pode visitar e onde pode desfrutar em família. As comunidades escolares também têm aqui um novo espaço de abordagem da Democracia e da Cidadania”.
Herói da Revolução
Recordado como um grande herói da “Revolução dos Cravos”, o capitão Fernando Salgueiro Maia tinha apenas 29 anos quando o Movimento das Forças Armadas (MFA) lhe atribuiu um papel determinante na madrugada em que o regime do Estado Novo seria derrubado, depois de 48 anos de ditadura.
Dando cumprimento ao plano delineado pela Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães, Salgueiro Maia comandou a coluna militar que saiu de Santarém e marchou sobre Lisboa, ocupando o Terreiro do Paço às primeiras horas do dia 25 de abril de 1974. Mais tarde, foi também ele que comandou o cerco ao Quartel do Carmo, que terminou com a rendição de Marcelo Caetano.
A revolta militar derrubou o regime praticamente sem o emprego da força e sem provocar vítimas. Os dois únicos momentos de tensão foram protagonizados pelo próprio Salgueiro Maia: o primeiro foi o encontro com um destacamento de blindados, até então obediente ao Governo, resolvido quando estas tropas tomaram posição ao lado dos revoltosos; o segundo ocorreu quando o capitão mandou abrir fogo sobre a parede exterior do quartel da GNR.
Finda a Revolução, Salgueiro Maia retomou modestamente o rumo da sua carreira militar e recusou sempre as honrarias que o regime democrático lhe quis atribuir. Dotado de enorme coragem, apontado como exemplo de modéstia e de integridade, o homem e o militar que lutou pelo País, faleceu prematuramente em 1992, com apenas 47 anos.
A cerimónia de inauguração da Casa da Cidadania contou com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que aproveitou a presença em Castelo de Vide para depositar uma coroa de flores junto ao busto de Salgueiro Maia (agraciado em 2016, a título póstumo, pelo atual chefe do Estado, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique). “Durante a Revolução, Salgueiro Maia esteve sempre vigilante, atento e interventivo, um verdadeiro líder, ao lado de tantos outros líderes que lutaram pelo fim de uma ditadura e pelo começo de uma democracia. Esta é uma homenagem a um cidadão singular que merece ser homenageado enquanto homem, cidadão, militar e democrata. O seu carácter foi sempre muito forte, a sua personalidade marcante, a sua humildade permanente. Ele foi o retrato do que de melhor existe no povo português”, referiu Marcelo Rebelo de Sousa que considerou que “esta Casa da Cidadania não é uma espécie de memória do passado, fechada, acabou, terminou. O objetivo deste espaço é mais do que essa evocação.
É um apelo à Cidadania dos mais novos, por forma a valorizarem os valores e as conquistas de abril. É vital que se enalteçam as memórias do passado em direção ao futuro de um homem que foi militar desde o seu nascimento, até à sua morte e de um homem que nos abriu o caminho para a Democracia”, sublinhou.
“Este projeto é o exemplo da visão que procuramos ter para a preservação, promoção e divulgação do património cultural, em que ele é, ao mesmo tempo, memória de um passado e das vivências que testemunhou, ou seja, uma ponte para a História, mas também uma ponte para o futuro, servindo como plataforma para o desenvolvimento cultural e cívico das pessoas e dos territórios”, ressalvou Ângela Ferreira, secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, que também esteve presente na iniciativa. A cerimónia contou ainda com a presença da secretária de Estado de Recursos Humanos e Antigos Combatentes, Catarina Sarmento e Castro e da siretora regional de cultura do Alentejo, Ana Paula Amendoeira.
A Casa da Cidadania Salgueiro Maia resulta de um projeto da Câmara Municipal de Castelo de Vide e da Direção Regional de Cultura do Alentejo (DRCAlentejo). De acordo com António Pita, “o núcleo museológico corresponde à primeira e mais importante fase do projeto, sendo que está prevista, para uma segunda fase, a construção de uma loja, de uma sala de exposições, e uma área para bar e esplanada”. A candidatura foi apresentada pela DRCAlentejo a fundos comunitários, cofinanciada em 85% pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), em protocolo com a Câmara de Castelo de Vide, que assegurou a contrapartida nacional deste investimento, cerca de 600 mil euros. “Tivemos que assumir sozinhos este valor para a valorização de património nacional. Estes fundos foram retirados dos cofres municipais e significaram um avultado investimento para um Município de pequena dimensão como o nosso. Sendo assim, esta decisão obrigou-nos a uma decisão política de grande determinação e só possível com uma gestão financeira equilibrada”, assevera António Pita. Segundo o autarca, a segunda fase do projeto, que totaliza três milhões de euros de investimento, está “pendente” de verbas que venham a surgir no próximo quadro comunitário de apoio. “Dificilmente poderemos permanecer sozinhos nesse segundo momento. Para já estamos ainda muito desiludidos com os projetos culturais que estão previstos para o Alentejo no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência [PRR]. Contudo, acreditámos que, perante esta obra, a Tutela esteja agora mais sensibilizada para a importância deste projeto como alavanca de desenvolvimento cultural do Interior do País”, completa.
Para além da inauguração da Casa da Cidadania Salgueiro Maia, o 77º aniversário de Salgueiro Maia ficou ainda marcado pela apresentação do livro “Das Guerras em África à Revolução dos Cravos”, de Moisés Cayetano Rosado, com prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa, pela abertura da exposição “A Chaimite na Revolução – Momentos”, de Alfredo Cunha, e por um concerto da Orquestra sem Fronteiras, na Igreja Matriz de Castelo de Vide.