“Transferir competências para aqui, é diferente de Lisboa ou Porto”
“Se nem os grandes centros urbanos de Lisboa ou do Porto aceitaram a totalidade das competências com todos os recursos que possuem, o que dizer de um pequeno município do Interior do país como Trancoso?”, questiona Amílcar Salvador, presidente da Câmara Municipal de Trancoso em entrevista ao Empresas +®.
Amílcar Salvador assegura que a Autarquia de Trancoso que preside desde 2013 não aceitou nenhuma das competências que o Governo Central pretende transferir para os municípios e explica porquê: “Precisamos que o Governo Central nos transfira mais verbas e apoios e não apenas mais trabalho e funcionários que não teremos como manter. Trabalho para realizar já temos muito. Falta-nos é, muitas vezes, as verbas suficientes para que possamos agilizar alguns processos e darmos uma resposta efetiva e em tempo útil às populações”. O autarca demonstra ainda a sua preocupação com todo este processo: “Se nem os grandes centros urbanos de Lisboa ou do Porto aceitaram a totalidade das competências com todos os recursos que possuem, o que dizer de um pequeno município do Interior do país como Trancoso? Além disso, este processo quer passar a ideia de que esta é uma decisão meramente formal e que não implica quaisquer recursos suplementares, o que está longe de ser verdade. Se nenhuma destas medidas implica custos maiores porque é que existem institutos e centenas de funcionários públicos responsáveis por estas áreas?”, questiona Amílcar Salvador.
Apesar de todas as críticas, o edil afirma que não é contra este processo, apenas defende que este deve ser realizado com tempo e rigor. “Consideramos que é benéfica esta intenção de transferir maior capacidade de decisão para os municípios, contudo, a forma como o processo foi levado a cabo, de forma apressada, é que não nos parece, de todo, o mais indicado. As explicações não foram muitas e as entidades competentes limitaram-se a publicar decretos-lei”.
Muitas perguntas sem resposta
“Não aceitamos a competência do estacionamento porque não temos estacionamentos pagos no concelho. Isto faz com que não tenhamos um departamento jurídico a trabalhar connosco o que impossibilita o aceitar desta competência”, explica Amílcar Salvador que garante que o Município de Trancoso não poderia suportar esta despesa adicional. O facto da Autarquia não ter departamento jurídico também levou a que o Executivo tenha recusado a competência dos jogos.
O autarca assevera que Trancoso não possuiu habitação social, pelo que não faria sentido que a competência fosse aceite. “É um facto que existe meia dúzia de famílias que beneficiariam se pudessem ter melhores condições de habitabilidade, contudo, mais uma vez, não dispomos dos fundos necessários para podermos avançar com esse projeto. Ainda assim, o Município dispõe de arrendamento social para os casos de maior urgência”, garante o edil.
Amílcar Salvador revela que o secretário de Estado responsável por este processo, numa reunião na Guarda, garantiu que, no que diz respeito aos bombeiros, a transferência de competências não seria mais do que uma forma de dar cobertura jurídica aos protocolos já existentes. Apesar disso, o autarca mostra-se renitente: “Não está escrito no decreto de lei que este acordo está dependente apenas dos acordos já em vigor e uma vez aceite não poderemos voltar atrás. Até agora ajudamos com 50% no valor de algumas despesas e o Estado comparticipa o restante. Quando aceitarmos a competência, quem irá assegurar os restantes 50%? O decreto-lei é omisso em muitas questões e foi isso que nos levou a recusar. Queremos saber com todas as certezas o que estamos a aceitar e quanto é que isso nos vai custar”.
Quanto ao bem-estar animal, apesar do Município de Trancoso ter um veterinário no quadro, a Autarquia é apenas responsável pelo pagamento de 60% do seu salário, sendo os restantes 40% assegurados pela Administração Central. “Esses 40% não estão acautelados neste processo. Apesar do decreto-lei afirmar que seremos os responsáveis pela cobrança das várias taxas, pergunto: que taxas? É preciso saber. Além disso, neste momento, o nosso veterinário é acompanhado por técnicos da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária [DGAV]. Com a mudança eles deixarão de o fazer, apesar de continuarem a trabalhar naquela entidade. Porque é que eles também não são transferidos para o Município?”, questiona Amílcar Salvador.
As dúvidas do autarca continuam com as competências na área da cultura e do património, onde, mais uma vez, “as verbas destinadas não estão devidamente estabelecidas. Existe um projeto, por exemplo, há vários anos que pretende renovar a estrutura da muralha. A Direção Geral do Património Cultural chegou a realizar uma visita, com os seus técnicos, e concordou que a intervenção era necessária. A verdade é que, até agora, nada foi feito. Querem que a Autarquia fique como responsável pela manutenção do castelo e muralha quando, durante estes anos todos, nada fizeram?”, questiona o autarca que, contudo, não exclui a possibilidade de um acordo: “Se o Governo Central assegurar os fundos necessários para estas obras não teremos qualquer problema em aceitar”. Quanto à cultura o cenário é semelhante. “Faz algum sentido transferir competências e depois, quando quisermos fazer alguma coisa, termos que submeter pedido de parecer à DRCC – Direção Regional de Cultura do Centro? Não faz qualquer sentido. Se o objetivo é efetivamente descentralizar o Município devia ficar responsável por todo o processo”, considera o edil.
Quando o processo de transferência de competências estiver concluído, a Autarquia será responsável por duas casas de ex-guardas florestais. Segundo Amílcar Salvador estas serão aproveitadas para habitação ou turismo. Contudo, parece que “o Estado se esqueceu de incluir no pacote do património as instalações do antigo Centro de Saúde, onde gostaríamos de implementar um espaço para as associações locais poderem trabalhar. Já solicitámos a exploração desse espaço por diversas vezes no decurso dos últimos anos, contudo, a resposta foi sempre negativa”.
Quanto às vias de comunicação, ao contrário daquela que foi a primeira análise técnica dos serviços camarários, o Executivo prevê aceitar, na condição de se concretizar a premissa de que a Autarquia fica responsável pela manutenção das vias, apesar das obras de fundo continuarem a ser da responsabilidade do Governo Central. “É expectável que sejamos verdadeiramente independentes e que não tenhamos que pedir qualquer parecer ou autorização às Infraestruturas de Portugal sempre que estejam em causa obras ou alterações de pequena monta. Se os nossos serviços, agora numa análise mais profunda chegarem à conclusão que estas premissas estão no decreto-lei, iremos aceitar”, assegura o autarca.
“A educação é a única competência onde fomos informados do valor real que iremos receber”, garante Amílcar Salvador que assegura que se a resposta do Município for positiva entrará apenas em vigor no ano letivo 2020/2021. “Até lá iremos analisar devidamente o diploma e organizar todos os serviços. Também aqui foi-nos assegurado que as obras de fundo continuarão a ser asseguradas pelos Serviços Centrais, sendo que também estão contempladas obras de melhoria na nossa Escola Secundária que são mais do que necessárias. A Escola já foi construída em 1985 e precisa de ser intervencionada e atualizada. Resta aguardar”, conclui o edil.