“Quando Portugal der as mãos aos seus emigrantes seremos uma nação mais influente do que no tempo dos descobrimentos”

Em entrevista ao Empresas+®, Carlos de Matos, responsável pela AIP – Arquitetura Imobiliária Promoção, S.A, localizada em Leiria e que pertence Grupo St. Germain, em França, recorda o seu percurso para o sucesso e fala sobre o seu regresso a Portugal, mais de 40 anos depois, defendendo que os emigrantes deveriam ter mais apoio quando regressam ao seu país.
“Se um estrangeiro vem para Portugal e tem direito a dez anos de isenção de impostos, é recebido de braços abertos, com mordomias de toda a espécie, vistos gold e ajudas sempre que necessário, pergunto porque é que um emigrante que enviou e envia dinheiro para Portugal durante 40 anos não pode ter direito ao mesmo?”, questiona Carlos de Matos, responsável pela AIP – Arquitetura Imobiliária Promoção, S.A.
Depois de mais de 40 anos emigrado em França, o empresário afirma que não recebeu qualquer tipo de apoio quando decidiu voltar ao seu país de origem. “Será que eu precisava de obter a nacionalidade francesa para depois poder vir para o meu próprio país e ter acesso a essas benesses? Não faz qualquer sentido. Quando um emigrante regressa não tem acesso a qualquer tipo de ajuda ou acompanhamento, para tarefas tão simples como a atribuição de um médico de família ou a inscrição dos filhos na escola. Infelizmente, constato que, mais depressa ajudam e criam suportes para estrangeiros, do que para os próprios portugueses que estiveram lá fora, que criaram e criam riqueza para o país e que levam o nome de Portugal com muito empenho e muita dignidade, por esse mundo, desde os países vizinhos às fronteiras mais distantes. É muito injusto e muito desmotivador. Os portugueses são demasiadamente pacíficos e não sabem unir-se e lutar pelos seus direitos. Se todos os emigrantes da diáspora se unissem seríamos uma força imparável. Quando Portugal der as mãos aos seus emigrantes seremos uma nação mais influente do que no tempo dos descobrimentos “, afirma Carlos de Matos, com a sua experiência de décadas e com uma voz qualificada, própria de quem é uma referência incontornável no seio da diáspora portuguesa em França.
História de sucesso improvável
Com apenas nove anos de idade, Carlos de Matos começou a trabalhar como moço de recados no hotel/restaurante Cozinha Portuguesa, em Monte Real, onde não tinha ordenado, recebia apenas gorjetas. Com 12 anos foi trabalhar por turnos para uma fábrica de vidro, em Vieira de Leiria, onde desempenhava funções na linha de fabrico de garrafões de 20 litros, uma das tarefas mais duras da unidade fabril. Apesar da dureza do trabalho na fábrica, estudava ainda na Telescola e conseguiu completar o 6º ano de escolaridade. Durante oito meses foi mecânico, em Leiria, mas não se identificou com a área e voltou para a fábrica de vidro. “Foi aí que percebi que este tipo de vida não tinha futuro e que, se queria algo diferente, teria que tomar uma atitude e decidi fugir a salto para França. Não me faltava coragem e quando completei 18 anos arrisquei e fui para França. Sabia que tinha que ser maior de idade para trabalhar naquele país”, recorda o empresário.
Começou a trabalhar em terras gaulesas como eletricista da construção civil e ali permaneceu durante dez anos. “Durante este tempo fiz um interregno de dois anos, porque tive que vir a Portugal cumprir o serviço militar. Senti que, apesar de estar longe, tinha que dar o meu contributo. Apesar disso, considero também que quem decide declarar guerra a outro país deveria ser o primeiro a avançar na frente de batalha, muito antes de enviar para lá os seus concidadãos”, refere Carlos de Matos que cumpriu o serviço militar, no exército, em Moçambique. “Não tinha medo da morte e continuo sem ter, uma vez que esta é inevitável, e é por isso que devemos aproveitar muito bem cada dia que passa”, completa.
Quando a guerra terminou, o empresário ainda tentou ficar em Portugal, trabalhando como taxista durante três meses. “A verdade é que os clientes nunca estavam satisfeitos, isto porque ou andava depressa demais ou demasiado devagar. Rapidamente cheguei à conclusão que ser taxista não era profissão não para mim e voltei para França, onde continuei a trabalhar como eletricista na construção civil”, lembra Carlos de Matos.
A vida do empresário mudou para sempre quando este trabalhava numa obra de um empresário português e uma das suas máquinas estava avariada há três dias. “Em jeito de brincadeira, ofereci-me para a arranjar em troca de um almoço até porque não me custava nada dar uma olhadela, ainda que já tivessem passado três dias e tivessem sido realizadas várias visitas de técnicos especializados”. O desafio foi aceite e, sem grande esforço, Carlos de Matos percebeu que o problema estava num fusível queimado, que teve que ser substituído. “O patrão queria então pagar-me o almoço, como prometido, e eu ainda tentei recusar porque tinha levado comida de casa na marmita. Porém, ele insistiu tanto que acabei por ceder. Nesse almoço, ele confidencia-me que queria mudar de vida e que, se encontrasse um comprador, que vendia a empresa. Confessei-lhe então que o meu grande sonho sempre foi ser empresário, mas que não tinha possibilidades financeiras para isso. A sua resposta surpreendeu-me: o empresário ofereceu-me a venda da empresa a crédito, com pagamento a três ou quatro anos”, recorda. E foi assim que, antes dos 30 anos de idade, Carlos de Martos se tornou empresário.
Responsabilidade social a favor da comunidade
“Ainda que ele tenha acabado por declarar falência, vendeu-me algumas máquinas, contratei alguns dos seus melhores funcionários, tomei conta das suas principais obras e fundei a empresa que foi registada com a denominação ERA, nome que resultava das iniciais de eletricidade, reboco e aplicação. Apesar disso, os primeiros tempos foram muito complicados e praticamente não conseguia receber um ordenado no final do mês, depois de todas as contas estarem pagas e todos os salários saldados”, advoga o empresário. Apesar disso, a empresa cresceu, cresceu muito, e o trabalho de Carlos de Matos foi reconhecido em muitos pontos de França, sobretudo na grande região de Paris. O trabalho corria bem, o número de clientes aumentou e importância da ERA evoluiu, enquanto que as empreitadas aumentaram. Contudo, a determinada altura, os tempos alteraram-se, surgiu um ciclo negativo, e os principias clientes começaram a falhar nos pagamentos, enquanto que outros declararam falência e “depois foi uma bola de neve, que me obrigou a fechar a empresa”, afirma. Quando isto aconteceu esta era a maior empresa do ramo em França e chegou a gerar 80 milhões por ano, empregando de forma direta e indireta cerca de 120 pessoas.
Apesar das contrariedades, Carlos de Matos, que sempre aprendeu com os ensinamentos da vida, as vitórias e sobretudo as derrotas, não desistiu e passou a dedicar-se à promoção imobiliária, “estávamos em 1994 e nunca mais mudei”. O empresário explica o porquê desta escolha: “Ainda que ligada ao setor da construção civil, a promoção imobiliária oferece outro tipo de segurança, uma vez que, em caso de falta de pagamento, o imóvel continua a ser meu. No fundo, o que faço é a articulação de todas as equipas de trabalho. Além de acompanhar o processo de compra do terreno, efetuo todos os contatos institucionais necessários, como autarquias ou bancos, por exemplo. As obras, propriamente ditas, não são depois realizadas por nós, mas sim por subempreiteiros. Desta forma, a nossa margem de lucro é mais pequena, porém, muito mais segura. Se no primeiro projeto era subcontratado por muitas empresas, agora sou eu que subcontrato. Contudo, apesar de todo o sucesso alcançado, infelizmente, mais do que empresário eu sou um coletor de impostos, tal a carga fiscal que temos que enfrentar”, acusa o empresário.
E foi assim que Carlos de Matos criou o Grupo St. Germain. “A empresa tem curriculum e notoriedade na construção de vivendas, apartamentos, centros comerciais, hospitais e clínicas especializadas no tratamento de Alzheimer. Passei a gerir sete a oito projetos em simultâneo, com valores entre os sete e os 30 milhões de euros. Hoje sou o presidente da St. Germain, em Portugal, e o responsável pela AIP – Arquitetura Imobiliária Promoção, S.A., localizada em Leiria, uma das várias empresas do Grupo, sendo que o meu filho é, atualmente, o diretor-geral da St. Germain, em França”, conclui. O Grupo St. Germain faturou, em 2018, cerca de 50 milhões de euros.
Quatro décadas depois, conhecedor do mundo e dos maiores centros de negócios, Carlos de Matos reencontra inspiração nas suas terras de origem. É aqui que se dedica à agricultura biológica e que alimenta a paixão pelo mundo dos automóveis, nomeadamente os modelos clássicos. É também a partir das terras banhadas pelo rio Lis que desenvolve uma intensa atividade de responsabilidade social, sendo protagonista de repostas às necessidades de corporações de bombeiros, clubes de cultura ou desporto, atividades filantrópicas e diversas manifestações de solidariedade social.
Com prémios e galardões de entidades públicas e privadas que enaltecem, tanto a sua dinâmica empresarial, como as suas preocupações sociais com os mais desfavorecidos, Carlos de Matos não desiste de contribuir para afirmação de Portugal e dos portugueses, bem como das nações que a lusofonia une, sempre numa perspetiva de afirmação de valores, num mundo onde todos devem ter as mesmas oportunidades e ninguém deve ser obrigado a emigrar.